domingo, 27 de outubro de 2024

30 anos depois, viagem a um tempo de antena do cavaquismo

Os cavalos a correr...

Vitor Dias
Avante de 30.4.94

Beneficiando obviamente de facilidades concedidas pelo PSD no âmbito do que se costuma chamar a «propaganda da propaganda», logo na manhã de segunda-feira o «JN» podia anunciar que  «o puro sangue lusitano, generoso e temperamental»  seria  «o elemento audiovisual dominante em todo o tempo de antena do PSD »  que a RTP transmitiria na noite desse dia, numa escolha destinada a exprimir a  «impetuosidade triunfante»  da mensagem televisiva do PSD.

De facto, assim foi. Com o «Bolero» de Ravel sempre em fundo, lá tivémos os cavalos a correr ao serviço da esfalfante missão de fazer os portugueses aprender quanto do prestigio mundial de Portugal, do progresso e modernização do país e da vida boa e feliz do seu povo se deve ao PSD e a Cavaco Silva.

Sejamos compreensivos com o PSD: quem não tem cão, caça com gato.Não há agora uma selecção nacional de juniores campeã mundial cujas imagens possam ser instrumentalizadas pela propaganda do PSD.E o « novo homem português », que Cavaco Silva em tempos anunciou pretender criar, ainda não começou a sair da linha de montagem e, por isso, também não pode ser exibido em tempos de antena de televisão. 

Sem os juniores campeões e sem exemplares decentes e credíveis do «novo»  português, compreende-se, a muitos títulos, que o recurso aos cavalos lusitanos - impetuosos mas domados, fortes mas irracionais, correndo em manada na direcção imposta pelo susto causado pelo helicóptero por conta das filmagens do PSD - tenha agradado aos responsaveis do PSD.

O resto do tempo de antena não tinha nem história nem novidade. Porque, tirando os miserabilistas e catastrofistas do costume, todos sabemos que nós, portuguesinhos valentes comandados pelo Prof. Cavaco,  « estamos a vencer a crise internacional que nos bateu à porta »  e « aproximamo-nos a passos largos dos países mais desenvolvidos da Europa » , que Portugal é o máximo para estrangeiros. Porque, tirando os pessimistas e derrotistas do costume, todos sabemos  que «  Portugal deu a volta e está a vencer » e que , tal como aquele inesquecível casal « descoberto» pelo PSD, tivémos mais dinheiro este ano e até já não precisámos dessas misturas de apartamentos de férias alugados a meias.

Mas então - perguntará algum leitor mais desejoso de equilibrio e imparcialidade - não se salvou nada no tempo de antena do PSD ?

Claro que sim. Nem mais nem menos que os cavalos lusitanos - bonitos e simpáticos animais - e o «Bolero» de Ravel.

Naquela peça de mistificação e ilusionismo, eram os únicos inocentes. Ninguém lhes pediu opinião e, por sinal, até já existiam antes de Cavaco Silva ter empreendido esse pesadelo que cinicamente baptizou de  «democracia de sucesso».

sábado, 12 de outubro de 2024

Uma polémica antiga com Vasco Pulido Valente


Vítor Dias no »PÚBLICO» 4.8-2006

A par de outros textos ou tomadas de posição, foi a arrogante catiliASnária que, no domingo passado, Vasco Pulido Valente debitou nas páginas deste jornal contra um texto de uma jornalista do “PÚBLICO” (São José Almeida) em torno das questões da memória sobre o fascismo português, que mais me acordou para a evidência de que, em relação a um vasto conjunto de acontecimentos e problemas da história contemporânea, está em curso um atrevido processo de revisão e rasura, muitas vezes convenientemente mascarado com poses de “distanciamento”, “pacificação”, “bom senso”, “relativismo político”, “neutralidade” e “isenção”.

Este processo é especialmente notório em matérias tão diversas como as reclamações em Espanha de recuperação da memória histórica da Guerra Civil e das vítimas da ditadura franquista, como a natureza e qualificação da ditadura imposta aos portugueses durante 48 anos, ou como o conflito no Médio-Oriente (onde até voltam truques conhecidos de há mais de 40 anos, como o de chamar anti-semita a quem for anti-sionista ou crítico da política do Estado de Israel).

Deixando de lado colunistas de outros jornais, basta lembrar que, por exemplo, aqui neste jornal, já tivemos recentemente, quanto a Espanha e às iniciativas que lá estão em discussão, o prof. Mário Pinto a sentenciar que “o exemplo espanhol é impressionante de agressividade, repetindo, “mutatis mutandis”, os excessos dos “rojos” que provocaram a guerra civil que trouxe o franquismo”, mas passando, de forma contorcionista, ao lado do anterior “excesso” que foi a ditadura do General Primo de Rivera entre 1923 e 1930; e, quanto ao mesmo tema, já tivemos também Vasco Pulido Valente a recomendar que tudo se esqueça, fique como está e se ponha uma pedra (ou talvez mesmo uma pedreira) sobre o assunto.

Quanto à agressão de Israel contra o Líbano e à questão palestiniana nem vale a pena dar exemplos de tantas falsas “equidistâncias”, de tantas amnésias sobre a origem histórica do problema, da incompreensão de fundo sobre como quase 60 anos de humilhações, expulsões territoriais, exílios e desespero de todo um povo sofredor e a falta de respeito por Israel de todos os acordos acabaram por dar uma considerável base de apoio popular a forças radicais e extremistas.

E, por fim, no que toca ao “Estado Novo”, é sobretudo de reter a afirmação de Vasco Pulido Valente de que “é preciso uma ignorância absoluta do que foi o nazismo e o fascismo italiano (duas coisas, de resto, muitíssimo diferentes) para os confundir com uma ditadura conservadora e católica como a de Salazar”, assim rejeitando expressamente que se qualifique de “fascista” o regime de Salazar e Caetano. E, como se tanta prosápia professoral não chegasse, VPV ainda acrescenta que o “fascismo” foi “uma invenção do estalinismo” e que “é preciso uma especial cegueira para não ver a abissal diferença entre Salazar e o curto consulado de Marcelo Caetano”.

Quanto a este ponto fulcral já lá irei, mas antes quero exprimir a preocupação de que, se não se fizer frente desde já, com coragem e convicção, a esta “onda” de real branqueamento de coisas sinistras e de quase absolvição de pesadas responsabilidades, então não se estranhe que, daqui por uma década ou duas (ou mesmo antes), se multipliquem as vozes que publicamente afirmam que o nazismo não têm particulares responsabilidades no desencadeamento da 2ª Guerra Mundial porque, desde o primeiro dia, o seu mais obsessivo objectivo era ocupar uma União Soviética manifestamente “inimiga da civilização ocidental”.

Ou então, como outro exemplo a que devemos ser nacionalmente ainda mais sensíveis, que alguns comecem a dizer que, quanto ao derrubamento da ditadura fascista em Portugal e à Revolução de Abril, é muito difícil saber, passado tanto tempo, se eram os derrotados ou os vencedores que tinham a razão do seu lado ou a proclamar que, em retrospectiva, entre fascistas e democratas tudo se equivalia e todos merecem o mesmo respeito histórico.

Mas, voltando ao mais importante, é agora tempo de dizer que os muitos que em Portugal considerámos no passado e continuamos a considerar hoje que a ditadura de Salazar e Caetano foi uma ditadura fascista não o fazem apenas por uma questão de tradição, de teimosia ou de puro alinhamento com o vasto e maioritário acolhimento e suporte populares que essa qualificação ganhou.

É que se Vasco Pulido Valente é, de facto, historiador e não um autor de literatura de cordel como fez supor com o seu famoso “ensaio” de 2004 sobre a - na sua opinião, inexistente - Revolução de Abril, então é preciso que esteja afundado na “ignorância absoluta” de que há, em Portugal e sobretudo em todo o mundo, centenas de ensaios e milhares de artigos, com inegável consistência intelectual, de historiadores nacionais e estrangeiros, com inquestionável prestígio científico, que sem negarem diferenças, nuances e especificidades nacionais, se pronunciam pelo alargamento da qualificação de fascistas a outros regimes  (Espanha, Portugal, etc.) para além da Itália.

De facto, só uma imperdoável “ignorância absoluta” é que pode levar Pulido Valente a ignorar que, nesta matéria, há no essencial e falando em termos simplificados, duas grandes correntes historiográficas: a daqueles que determinam um “fascismo-tipo” (por exemplo, a Itália de Mussolini) e depois excluem dessa classificação todos os outros regimes onde não se reproduziram todas as características anteriormente detectadas no modelo escolhido e onde até se desenharam variações e diferenças específicas (às vezes de carácter acessório); e a daqueles que, privilegiando as identidades entre esses regimes em termos de eixos fundamentais, de interesses de classe veiculados e de concepções ideológicas de fundo, defendem a legitimidade de a todos aplicar a mesma classificação de “regimes fascistas”.  

A este propósito, o reputado historiador italiano Enzo Colloti (outro ignorante?), no final da sua obra Fascismo, Fascismos (Ed. Caminho), escreve que “foi justamente das grandes linhas, comuns a todos os movimentos e regimes de que falámos, que extraímos a confirmação da existência de um húmus cultural e de uma contingência histórica que permitiram a realização de experiências que não foram isoladas nem fragmentárias e que podem ser referidas a uma ideia-força, quaisquer que depois tenham sido as suas diversas traduções nos respectivos contextos políticos e sociais específicos”. 



PÚBLICO  de 11 de Agosto de 2006
O sapato de cristal

A crónica de Vasco Pulido Valente, intitulada “A história e Vítor Dias” e publicada neste jornal no passado sábado em comentário ao meu artigo de há uma semana, merece necessariamente algumas observações.

Desde logo, a primeira observação é a de que dois terços do texto de VPV são dedicados a descrever os regimes da Alemanha, da Itália, da Espanha e de Portugal em termos propositadamente orientados para apenas assinalar as diferenças ou singularidades que os marcaram, sendo que algumas delas são óbvias e até merecem a minha concordância e outras nem tanto.

Neste sentido, creio ser legítimo afirmar que VPV gastou boa parte do seu precioso espaço a arrombar as portas que eu já tinha escancarado no meu artigo, uma vez que nele, em momento algum, jamais afirmei qualquer identidade ou similitude totais entre os diversos regimes que qualifiquei de fascistas e não só não neguei como explicitamente confirmei a existência entre eles de diferenças, nuances e especificidades nacionais que, aliás, sempre se verificam em relação a todos os conceitos históricos deste tipo.

Ainda assim, creio que as descrições feitas por VPV têm em alguns pontos um carácter sobretudo impressionista, relevam de uma visão atomística do processo histórico, insistem sobre pontos acessórios ou variações de grau e, uma vez ou outra, estabelecem diferenças que são de elementar explicação.

Assim, por exemplo, deixar à vista que, por comparação com a Alemanha e a Itália, o Portugal dirigido por Salazar não tinha pretensões de formar ou conquistar um império é completamente irrelevante, na medida em que já o tinha (o império colonial) e, como Salazar bem explicitou, do que se tratava era de o manter e defender. De igual modo, também me parece um pouco esquemático declarar apenas que em Portugal, ao contrário de outras ditaduras europeias, não houve “nenhuma tentativa séria de arregimentar e militarizar a sociedade, belicismo ou racismo”. É que talvez seja bom não esquecer que houve tentativas e medidas de enquadramento (Mocidade Portuguesa, Legião Portuguesa, rituais de arregimentação “popular” como as manifestações no Terreiro do Paço), que houve o “belicismo” próprio de quem enfrenta 13 anos de guerra colonial e que, se não houve racismo em relação aos judeus, existe pelo menos um discurso de Salazar onde refere a responsabilidade civilizadora de Portugal em relação às “raças inferiores” dos territórios “ultramarinos”.

E, neste campo, tenho ainda de assinalar que a referência à ditadura salazarista como “antimoderna” me faz suspeitar que VPV integre aquele grupo de historiadores que, por vezes, confunde o discurso ruralista, provinciano e desconfiado do progresso técnico e da industrialização tantas vezes enunciado por Salazar com as reais orientações e medidas efectivamente aplicadas pelo regime, designadamente a partir de 1945 e que conduziram à utilização coerciva dos meios do Estado para acelerar a concentração capitalista nos seis grupos económicos que, nos anos 60, já dominavam o essencial da economia portuguesa. 

A segunda observação é no sentido de salientar que o texto de Vasco Pulido Valente (acantonando-se nas diferenças e sobrevalorizando-as e ignorando semelhanças substanciais e convergências estruturais) se insere precisamente numa das correntes historiográficas que eu havia caracterizado como aquela que, prisioneira do “fascismo-padrão” de Mussolini, nega o carácter fascista de regimes como o de Portugal e de Espanha.

Esta corrente baseia-se num método de origem anglo-saxónica para o qual, segundo as expressivas e saborosas palavras do historiador Luís Bensaja del Schiró (Vértice, II série, nº 13, Abril de 1989) “foi cunhado um palavrão – “taxonomia”- que pretende reunir um conjunto de postulados teóricos mínimos, sem os quais não se poderá falar em fascismo: uma espécie de sapato de cristal da gata borralheira destinado a excluir todos aqueles regimes que, tendo embora a forma adequada para a experiência, acabam por ser recusados por não se adaptarem rigorosamente ao modelo pré-fabricado”.

A terceira observação destina-se a pôr em evidência que VPV foge, como o diabo da cruz, dos aspectos, características, fundamentos ideológicos ou objectivos políticos que foram, em larga medida, comuns ao conjunto de regimes de que temos vindo a falar e sem os quais seriam aliás dificilmente explicáveis as suas alianças, cumplicidades e solidariedades.

Para que não se diga que estava na cara que só podia ir buscar a opinião de um historiador comunista, prefiro citar o falecido historiador César de Oliveira, membro do PS, que, em 1991, identificava “como factores que estão presentes, embora em gradações diferentes”, nas experiências históricas em causa, “a adopção do corporativismo como via alternativa ao capitalismo liberal e ao socialismo através da imposição da colaboração de classe pelo poder; a implantação de regimes com ou de partido único; o poder pessoal baseado num líder carismático; a hegemonia quase absoluta dos órgãos executivos; a autoridade como critério de acção governativa; a repressão política aos adversários e o recurso a formas diversas de censura à imprensa e às manifestações públicas; o nacionalismo”.

A estes factores, há quem acrescente muitos outros, como o combate ao movimento operário, ao socialismo e ao comunismo, com especial destaque ainda para um outro em que o texto de Vasco Pulido Valente é esclarecedoramente omisso e que, na linguagem dos comunistas e de outros sectores de esquerda, surge referenciado como fundamental e é definido como “a natureza de classe” destes regimes, acompanhado do entendimento de que estamos perante ditaduras terroristas ao serviço do grande capital em determinada conjuntura histórica.

E creio sinceramente que, se não se tem em conta este elemento crucial, então a explicação para a formação e duração daqueles regimes fascistas fica remetida para o “ar do tempo”, para o simples contágio ideológico ou para o azar da tomada do poder por uma clique de meros beatos, velhacos e assassinos da liberdade.

A quarta observação é para lembrar que, no seu texto, perguntou ainda VPV se existe em Portugal “alguém ou alguma coisa a que o PCP jamais chamou fascista”. Se, como é suposto, VPV está a falar do PCP como instituição e como partido e dos seus dirigentes e responsáveis, então a resposta é fácil: a insinuação é falsa e torpe porque há centenas e centenas de coisas e de pessoas a quem o PCP nunca chamou “fascista”.

A terminar, registo que VPV, depois de ter falado da “abissal diferença” entre Salazar e o consulado de Marcelo Caetano, acrescentou agora que este último já pertence a “outro universo”.

Quanto a isto, apenas digo que talvez fosse Vasco Pulido Valente que, à época, porventura vivesse noutro universo mental ou geográfico, porque no universo português em que eu e os outros portugueses vivemos, tirando as promessas, as mudanças de nomes das instituições fascistas e os parcos gestos de descompressão política em 1968/69, só vimos e sofremos a continuação de quase tudo o que de pior marcou a governação salazarista.

E dito isto, se o clima político de Agosto o permitir, ainda aqui virei questionar “a abissal diferença” entre Salazar e o consulado marcelista que, pelos vistos, enche a memória de Vasco Pulido Valente mas que eu e muitos outros, na época cegos até mais não, devemos ter estupidamente ignorado e desperdiçado.


segunda-feira, 7 de outubro de 2024

O PCP e a independência das colónias

Vítor Dias e J. Costa Feijão

Contam-me que, num recente debate de âmbito universitário sobre os 100 anos do PCP, um historiador voltou a menorizar o papel do PCP na luta contra a guerra colonial preferindo atribuir uma maior coerência nessa luta a sectores católicos e de extrema-esquerda.

Sobre o assunto, entendo sublinhar o seguinte :

1. Bastaria consultar a imprensa clandestina do PCP, os seus numerosos comunicados e materiais de agitação, as emissões da Rádio Portugal Livre (que teve um enviado à guerrilha do PAIGC na Guiné-Bissau) ou ter em conta as acções da ARA contra o aparelho de guerra colonial para se concluir da completa falta de fundamento da referida menorização.

2. É certo que é conhecido a tese – com a mesma origem – de que as posições do PCP sobre a guerra colonial teriam sido condicionadas pela sua política de unidade antifascista na medida em que outros sectores democráticos tinham posições colonialistas ou neocolonialistas. Mas uma coisa é o PCP, em resultado da correlação de forças existente no campo democrático, ter participado em movimentos unitários que não se pronunciavam pela independência das colónias e outra muito diferente, que nunca aconteceu, é ter na sua acção autónoma sacrificado as suas orientações anticolonialistas. Aliás, quando o PCP ganha a hegemonia no campo oposicionista, logo a oposição democrática passa a opor-se frontalmente à guerra colonial, como se viu nas campanhas das CDE’s em 1969 e 1973.

3. Para se perceber bem que a posição do PCP sobre a questão colonial não nasce em 1961 (ínicio da guerra colonial) nem sequer 1957 (aquando do V Congresso), antes acompanha toda a sua história pode ser útil revisitar o seguinte artigo de João Manuel Costa Feijão no «Avante!» em 2002.

O PCP e a questão colonial

por J. M. Costa Feijão

 « (…) essa ( guerra ) não é a de todos.
Cá uns irão por desejo de honra,
outros com esperança de ganho
e os mais, que são peões e gente meúda
(…) irão arrenegando, forçados de vosso medo,
sem a limpeza e liberdade das vontades»

(palavras do Infante D. João ao rei D. Duarte
quanto à projectada passagem à África, na
década de 30 do sec. XV)

Desde a sua fundação, o Partido Comunista Português assumiu uma atitude clara no debate nacional da «questão colonial» , reivindicando um posicionamento de solidariedade fraterna e militante para com as massas trabalhadoras colonizadas. E, nas suas bases orgânicas aprovadas em 1921 consta, entre outras alíneas:

e) preparação e promoção da emancipação completa dos povos indígenas das colónias.

(Base 2.ª, Capítulo I – Partido Comunista Português – Seus fundamentos e fins)

Fazendo desta linha um autêntico pau-de-fileira em matéria de política colonial, a primeira Junta Nacional do PCP reuniu em 6 de Abril de 1921, e analisando a situação em São Tomé e Príncipe, lavrou «um veemente protesto contra a repressão de que estavam a ser vítimas os trabalhadores da colónia» .

Este apontamento não regista um acto isolado, mas testemunha o início duma praxis internacionalista de 80 anos. É, a memorização de um facto, o primeiro, que liga de forma indelével, os comunistas portugueses às vitimas da exploração colonialista.

Passado um ano, em 31 de Maio 1922, o PCP difundiu na comunicação, social a seguinte nota oficiosa: «O Comité Executivo do PCP tomou conhecimento, na sua reunião de ontem, de que um movimento de emancipação indígena alastra na província de Angola, em virtude da opressão e exploração violentas ali exercidas pela ditadura imperialista de Norton de Matos tendo-lhe constado que, sob reserva, o governo português se dispõe à repressão, preparando uma expedição militar àquela colónia.
Nestes termos, o Partido Comunista, afirmando os altos princípios de igualdade emancipação das raças e a sua consequente oposição à escravatura negra, ainda hoje praticada pela civilização burguesa, lança o seu mais veemente protesto contra os negregados projectos ministeriais — e atendendo à gravidade do assunto, resolve reunir amanhã, em sessão extraordinária, à qual vão ser convidados a assistir representantes do Partido Nacional Africano ».

E, dando continuidade à defesa dos seus princípios, em Novembro de 1923, no Programa de Acção apresentado ao I Congresso afirmava-se: «O PCP dará todo o apoio às ligas, associações, partidos, etc., que tenham por fim a defesa da população das colónias portuguesas contra todas as extorsões capitalistas e estatistas. Defenderá as reivindicações de ordem política ou económica das colónias, combatendo as formas ainda existentes de escravidão mascarada.»

A denúncia do trabalho escravo em África, estava na ordem do dia. E, enquanto na Sociedade das Nações servia de pretexto a renovadas manobras de partilha do continente africano pelo imperialismo, e a burguesia nacional apelava à «mobilização patriótica» , em defesa dos seus interesses de classe e do património ameaçado, o diário sindicalista “A Batalha” de 27 de Novembro de 1925, publicava : «(…) pegar em armas para defender umas colónias que nunca nos pertenceram não é, nem pode, nem deve ser connosco».

Volvidos cinco séculos, a advertência do infante D. João, quanto à «gente meúda», arregimentada para o assalto à África, emergia, em letra de forma, na imprensa operária portuguesa.
* * *

Na primeira fase de ascenso e afirmação do regime fascista português, Salazar fez aprovar legislação, onde se admitia expressamente o «trabalho obrigatório» dos negros, integrado no seu projecto político alicerçado na Carta Orgânica do Império Colonial Português, e logo contestada pela Federação das Juventudes Comunistas, em Novembro de 1933: «A juventude explorada dos campos e das oficinas opõe ao ideal colonial o ideal anticolonial, oferecendo aos seus irmãos, que a burguesia imperialista explora e esmaga, a sua fraternal aliança como meio da sua libertação da metrópole e da burguesia local (…). Por ideal colonial, portanto, a juventude das fábricas só pode aceitar o que preconiza, e (…) faz parte do seu programa: Total autodeterminação dos povos coloniais e a sua inteira libertação do jugo da metrópole».

Tendo mergulhado na mais dura clandestinidade desde 1927, o PCP continuava a perseverar, contra tudo e contra todos, na luta pela fraternidade entre os povos, baseado no respeito pelas liberdades de cada um. E, a reafirmação dessa atitude seria mais uma vez proclamada na intervenção de Bento Gonçalves no VII Congresso da Internacional Comunista, em 1935, quando no elenco de tarefas dos comunistas portugueses inscreveu a: «luta pela defesa dos interesses dos povos coloniais oprimidos pelo imperialismo português, de ajudá-los a travar a luta até à sua completa libertação».
* * *

No informe político ao III Congresso do PCP, reunido em Novembro de 1943, a aliança com os povos coloniais voltaria a constituir tema de reflexão e debate dos delegados, tendo-se aí colocado, de forma inequívoca, a convergência de interesses das massas trabalhadoras portuguesas e das colónias na derrota do regime fascista : «A frente de luta anti-imperialista do povo português e dos povos das colónias, é somente possível se o proletariado português apoiar efectivamente os movimentos nacionais e de resistência contra a exploração e violência das colónias portuguesas, contra a burguesia imperialista portuguesa. O movimento emancipador dos povos coloniais está ligado à aliança fraternal do povo oprimido de Portugal com os povos escravizados das colónias, a aliança fraternal do proletariado português com as massas camponesas indígenas».

Prosseguindo o combate à mitologia gerada e nutrida com a sistemática ocultação da realidade colonial portuguesa pela classe dominante, o PCP denunciou a «missão civilizadora» do regime fascista e inventariou a perversidade dos processos repressivos e de exploração, no informe político presente ao IV Congresso, em Junho de 1946: «não é mantendo os povos coloniais em regime de escravatura benéfica a negreiros, não é mantendo as levas de escravos de colónia para colónia, condenando-os à morte pela natureza do trabalho, do clima e dos tratos que lhes são impostos, não é saqueando os pequenos agricultores indígenas, não é dando largas aos castigos corporais e desrespeito pela vida dos negros, não é hostilizando costumes e religiões, não é fomentando ideias de ódio racial – não é com uma tal política que se promove o desenvolvimento das colónias».

O início da derrocada dos impérios coloniais pós 1945, veio corroborar a linha e acção política do PCP. E, no espaço colonial português, cedo se manifestaram sinais de mudança, na falsa quietude da «paz salazarista» que o regime fascista procurava inculcar na consciência colectiva. Tornando-se o caso da Índia, uma questão central do colonialismo português na década de 50, desde a violenta rusga ao bairro dos pescadores de Mormugão na noite de Natal de 1950, até à invasão e integração dos territórios de Goa, Damão e Diu na República da Índia, em 18 de Dezembro de 1961.

Em vão, os comunistas portugueses fizeram sucessivos apelos para que o caso de Goa fosse resolvido, pacificamente, por meio da negociação e, cônscios de que a luta armada de libertação nacional dos povos africanos submetidos ao colonialismo português se prefigurava no horizonte, em Setembro de 1957, aprovaram a declaração seguinte:
«O V Congresso do PCP considera que estão hoje criadas as condições necessárias para que os povos das colónias de África dominados por Portugal conquistem a sua liberdade e independência, independentemente das modificações que se possam operar na situação política de Portugal.
O Congresso considera que a ajuda que o Partido e o povo português prestarem ao movimento libertador dos povos coloniais traduzir-se-á objectivamente numa ajuda à luta da classe operária e ao povo de Portugal pela sua própria libertação.»

Mas, o regime mantinha-se indiferente às profundas transformações que se operavam no Mundo. Apenas, numa mera operação de cosmética (1951), introduziu uma emenda à Constituição de 1933, onde a denominação «províncias ultramarinas» substituiu a de «colónias», e prosseguiu: silenciando com a chibata e valas comuns os protestos da população de São Tomé e Princípe (1953); ignorando o significado da Conferência de Bandung (1955); persistindo na repressão colonial, prendendo e deportando 49 timorenses para Angola; massacrando a tiro 26 estivadores grevistas do porto do Pidjiguiti, em Bissau; encarcerando 50 patriotas angolanos (1959); e metralhando o protesto das massas populares do Icolo e Bengo, em Angola, ou de Mueda, em Moçambique (1960).

Contra este quadro de bestialidade repressiva do colonialismo, o PCP foi a única voz que se fez ouvir, num comunicado da Comissão Política, em Novembro de 1960, que salientava a inevitabilidade histórica da abolição a curto prazo do regime colonial, e denunciava a tragédia iminente: «O Partido Comunista Português alerta o povo português contra os perigos duma guerra colonial, que o governo de Salazar prepara febrilmente, no único interesse dos grandes colonialistas e chama o povo português, em especial a juventude e as forças democráticas à luta contra a mobilização encapotada, pelo regresso das tropas que se encontram nas colónias e contra todos os preparativos de guerras coloniais» .

Quando, em 1961, a guerra de libertação nacional eclodiu, foi de novo a «gente meúda» arrebanhada pela mobilização militar que, em sucessivas vagas expedicionárias rumou à África, para defender os interesses do imperialismo monopolista, e sufocar pelas armas o grito de independência dos povos colonizados.

Nos anos que se seguiram, o PCP liderou de forma inquestionável, o protesto do movimento popular de massas contra a guerra colonial. A sua imprensa clandestina denunciou as atrocidades de que eram alvo os povos de Angola, da Guiné e Moçambique; contrariou as campanhas de desinformação e a manipulação das consciências orquestradas pelo regime fascista; assegurou a fuga da cadeia e o regresso à África de Agostinho Neto; possibilitou aos dirigentes dos movimentos de libertação a difusão de mensagens ao povo português, em entrevistas realizadas e transmitidas pela Rádio Portugal Livre e, já nos anos 70, as sabotagens da ARA desferiram rudes golpes na logística e no equipamento militar.

A solidariedade internacionalista do PCP objectivava-se na prática, e o Programa para a «revolução democrática e nacional» , aprovado no VI Congresso (1965), já integrara entre os oito objectivos fundamentais: «Reconhecer e assegurar aos povos das colónias portuguesas o direito à imediata independência».

Quando a descolonização foi anunciada como um dos objectivos do Programa do MFA, no 25 de Abril de 1974, Portugal assumiu a lógica da História. A derrocada do regime fascista consumara-se e com ele extinguia-se o colonialismo português.

Não foi o acaso que determinou a presença oficial do PCP como única formação política portuguesa presente em todas as cerimónias de reconhecimento ou proclamação da independência e soberania dos novos Estados africanos.

Contudo, o ciclo do colonialismo português não fora encerrado. A trama imperialista iria retardar durante longos anos a libertação do povo de Timor-Leste e, enquanto algumas destacadas figuras políticas nacionais afirmavam em 1974: “Timor é uma ilha indonésia que tem muito pouco a ver com Portugal” ou “a independência total é de um irrealismo atroz” , em 11 de Dezembro de 1975 o “Avante!” denunciava a agressão e ingerência da Indonésia: «O nosso Partido, a classe operária e todos os trabalhadores portugueses exigem que sejam respeitados os princípios de autodeterminação e independência que devem presidir à descolonização» .

Passaram-se vinte e quatro anos de apoio activo e solidário dos comunistas portugueses à luta de resistência do povo timorense, até este ser ouvido na escolha do seu caminho, a Independência!

Firme nos princípios e coerente nas acções, o PCP cumpriu o objectivo enunciado há 81 anos:

«emancipação completa dos povos indígenas das colónias»Adenda: espero que este artigo de J.M. Costa Feijão faça bom proveito ao embaixador Seixas da Costa que, no seu blogue, resolveu escrever isto :   «A legitimidade da “posse” colonial só começou a ser posta em causa, em Portugal, pelo PCP. Honra lhe seja! Fê-lo, naturalmente, porque a opinião de quem o guiava (leia-se Moscovo) assim aconselhava.e, Moscovo) tinha entretanto mudado

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Para quem fala de cor, aqui fica o «Novo Impulso»

Por um novo impulso na organização,
intervenção e afirmação política do Partido
Comunicado
do Comité Central do PCP
15 de Fevereiro de 1998


O Comité Central procedeu a um primeiro exame e balanço, em linhas gerais, quer da acção do Partido desde a realização do XV Congresso, em Dezembro de 1996, quer dos complexos e exigentes desafios que o Partido deverá enfrentar num futuro próximo.

Em resultado dessa análise, que inclui naturalmente indicações e preocupações há muito existentes mas, em alguns casos, tornadas mais visíveis pelos resultados das eleições autárquicas, o Comité Central propõe a todos os militantes e organizações do Partido o desenvolvimento de um vasto movimento de reflexão, debate, tomada de decisões e adopção de medidas, visando dar um novo e vigoroso impulso à concretização de orientações definidas no XV Congresso que se consideram essenciais para adinamização, renovação e maior eficácia política da organização e intervenção do PCP, e para a ampliação da sua influência na classe operária e nos trabalhadores, na sociedade portuguesa.
I

Uma perspectiva mobilizadora e combativa de afirmação,
crescimento e dinamismo do Partido
1. O Comité Central decide promover um esforço consistente e empenhado para, a todos os níveis da organização partidária, e tendo como ponto de partida um movimento geral de realização de assembleias das organizações e reuniões de militantes e de organismos, reanimar e renovar processos de trabalho e de funcionamento, e identificar as deficiências e insuficiências que mais afectam a acção do Partido. Trata-se de, na base indispensável e determinante da mobilização, da reflexão, da experiência e das opiniões de todo o colectivo partidário, apurar e definir as orientações e medidas que mais favoreçam o objectivo central de rasgar uma perspectiva mobilizadora e combativa de afirmação, crescimento e dinamismo do Partido, que seja sustentada por sua maior e melhor presença e intervenção na sociedade portuguesa.

2. Neste sentido, o Comité Central propõe que, de forma integrada, complementar e indissociável, sejam consideradas de imediato como grandes áreas de reflexão, intervenção e decisão prioritárias:
  • orientações e medidas de revigoramento e rejuvenescimento da organização do Partido, de alargamento da sua base militante e de maior responsabilização dos militantes visando um maior enraizamento e intervenção das organizações de base nas lutas, problemas e aspirações das classes e camadas sociais, dos sectores profissionais e das comunidades onde se inserem, e favorecendo, assim, o fortalecimento das organizações sociais e das lutas de massas;
  • desenvolvimento, nos diversos planos de intervenção e frentes de trabalho, de novas linhas de iniciativa política que favoreçam uma mais forte afirmação do PCP como partido de luta e partido de projecto, como partido dotado de uma estratégia integradora da sua intervenção política e social, como partido firmemente empenhado em impulsionar a agregação de forças, energias e aspirações democráticas e de esquerda, que é indispensável para a concretização de uma alternativa progressista à mera alternância entre PS e PSD na realização da política de direita;
  • medidas de fortalecimento e renovação da capacidade de direcção no Partido, com destaque, entre outros aspectos, para a melhoria da coordenação política e planeamento da intensa e diversificada actividade do Partido, uma maior e mais dinâmica elaboração e projecção das suas propostas e do seu projecto, a adopção de linhas de trabalho e medidas concretas que, tendo em conta as prioridades, ajudem ao avanço do Partido nas regiões, zonas e sectores de menor influência, a formação ideológica dos quadros, a dinamização e maior difusão do «Avante!» e, em geral, da imprensa do Partido, a criação de condições para a melhoria do trabalho do Comité Central.
3. Na área da organização partidária, o Comité Central propõe-se dinamizar a concretização das orientações traçadas pelo XV Congresso:
  • um forte impulso à renovação e rejuvenescimento das organizações e estruturas partidáriasonde, a par da procura de novas adesões, devem ser tomadas medidas para a integração orgânica de jovens militantes, de mulheres e dos camaradas que nos últimos anos vieram ao Partido, bem como uma maior atenção ao papel, acção e reforço da JCP;
  • um plano de acção para o reforço da organização e intervenção junto dos trabalhadores, com medidas concretas, meios e quadros, linha de luta reivindicativa e iniciativa política, no sentido das conclusões da Conferência Nacional realizada em Novembro de 1994;
  • um criativo e diversificado trabalho de organização e iniciativa política para elevar a militância e valorizar o papel do militante. Militância que deve significar o assumir pelos comunistas o seu Partido. Militância que traduza e dinamize um aprofundamento da democracia interna e uma persistente procura de formas de trabalho orgânico e político, que incentivem uma participação activa dos membros do Partido. Militância que, a par do reforço do quadro de funcionários com tarefas de organização, alargue o assumir de responsabilidades por camaradas não funcionários, libertando assim forças para tarefas mais exigentes, designadamente em disponibilidade e mobilidade dos quadros. Militância que deve significar o crescimento do núcleo activo do Partido, que neste processo deve também ser mais rigorosamente conhecido e quantificado em balanço de organização;
  • um grande e empenhado movimento de revitalização das estruturas de base do Partido. O Comité Central decide lançar um movimento geral e planificado de Assembleias das organizações de base. Movimento que deve partir de uma identificação rigorosa em cada organização regional dessas estruturas - as células por local de trabalho, por local de residência ou por sector socioprofissional. Uma identificação que, tendo em conta a divisão administrativa do País, não a siga mecanicamente, antes seja capaz de concentrar massa militante, quadros e meios adequados aos objectivos e funcionamento de uma organização de base. Assembleias que, procurando ser amplamente participadas devem realizar-se sem formalismos, constituindo espaços abertos de reflexão, debate e tomada de decisões. Assembleias que, quando electivas, devem realizar a eleição dos organismos dirigentes que, por sua vez e nos termos estatutários, «devem distribuir tarefas entre os seus membros». Nessa responsabilização individual, deve incluir-se a possibilidade da escolha/eleição, no âmbito do organismo, do ou da camarada que vai coordenar e dinamizar o funcionamento do colectivo, no quadro dos princípios estatutários. Assembleias para determinar respostas, para definir e dinamizar iniciativas, para reforçar a organização dos comunistas portugueses, para um reposicionamento crítico da célula como «alicerce e o elo fundamental da ligação do Partido com a classe operária, com os trabalhadores, com as massas populares», e «suporte essencial para promover, orientar e desenvolver a luta e a acção de massas».
No sentido de uma profunda revalorização e impulso ao funcionamento das organizações e organismos de base, o Comité Central manifesta a vantagem na participação e/ou integração da generalidade dos quadros do Partido nas organizações e organismos de base, procurando-se assim um mais completo e integral aproveitamento do enorme capital de experiência política e o simultâneo enriquecimento de muitos quadros.

4. No movimento geral de assembleias e reuniões de militantes e de organismos, são pontos importantes, o questionamento sobre o estado e modo da relação política das organizações e dos comunistas com as populações, com os colegas de trabalho e vizinhos; sobre a sua intervenção nas colectividades, nas associações culturais ou desportivas; sobre o papel e trabalho dos comunistas no exercício do poder local ou em associações de classe; sobre a batalha das ideias, de informação e esclarecimento que travamos (ou não travamos) nesta empresa, nesta rua, neste bairro, nesta freguesia ou cidade, pelos objectivos programáticos ou mais imediatos do PCP, contra o descrédito e desvirtuamento do regime democrático e da acção política, e o abstencionismo cívico e eleitoral. O questionamento sobre a forma de estar e de agir dos comunistas nas lutas dos trabalhadores e das populações, nos movimentos sociais e cívicos.

Em particular, uma grande atenção deve ser dada à reflexão e à tomada de medidas para o aproveitamento do enorme potencial de intervenção política e de reforço do Partido, que constituem os milhares de cidadãos e cidadãs que, como independentes, participaram nas listas CDU nas recentes eleições autárquicas, e com os quais devem ser encontradas formas mais ou menos regulares de contacto para a coordenação e desenvolvimento de trabalho nas autarquias e na defesa dos interesses populares.

5. Ainda no decurso do primeiro semestre deste ano, o Comité Central procederá a um balanço das medidas adoptadas e do debate realizado no Partido e das principais contribuições que tenham sido obtidas para o prosseguimento e aprofundamento de direcções de trabalho cruciais para o reforço da influência social, política e eleitoral do PCP e do seu papel na democracia portuguesa.
II

Uma orientação estratégica clara e afirmada:
um projecto de esquerda e de poder,
para um novo rumo democrático
1. Apesar da derrota dos partidos da direita nas legislativas de Outubro de 1995, e do facto de socialistas e comunistas terem passado a dispor da maioria dos lugares na Assembleia da República, as possibilidades que então podiam ter-se aberto para a concretização de uma viragem democrática, no sentido da esquerda, da situação nacional, não tiveram qualquer expressão devido às opções tomadas pelo PS.

O Governo PS, tendo embora introduzido alterações de estilo e mudanças de orientação em alguns aspectos sectoriais, manteve, inalteradas as principais políticas que vinham sendo conduzidas pelos governos anteriores. Prosseguiu o ataque a direitos dos trabalhadores e uma política de repartição da riqueza desfavorável aos trabalhadores e às camadas da população mais desfavorecidas. Acelerou o processo das privatizações, inclusive de empresas públicas fornecedoras de serviços e bens essenciais (EDP, PT, etc.). Promoveu novas medidas de descaracterização do regime democrático, designadamente através da revisão constitucional. Manteve a política externa e uma política de integração europeia caracterizada pela subordinação dos interesses nacionais aos das principais potências e aos dogmas neoliberais do grande capital financeiro. Estas orientações foram facilitadas pelo facto de o PS ter tido uma votação que o levou muito próximo da maioria absoluta.

A estratégia das forças de direita, protagonizada na primeira linha pelo PSD, evidencia-se com crescente nitidez. Por um lado, essas forças acompanham as opções fundamentais do Governo do PS, que correspondem, em grande medida, às suas. Mas, por outro lado, movem-se de forma activa com o objectivo de reagrupamento de um bloco à direita e de capitalização por parte da direita do descontentamento social e da frustração que alastram em amplos sectores sociais, com correspondência política no eleitorado do centro e da esquerda.

2. O Comité Central adverte ser previsível que, com a aproximação das eleições legislativas, o PS e o PSD procurarão cada vez mais aprisionar os eleitores na falsa opção entre manter o PS no governo, com uma política de direita, e o regresso da direita ao governo.

E desde já sublinha que, neste quadro, a acção, a intervenção e a iniciativa política do PCP devem ter como grande eixo unificador o objectivo de favorecer que se amplie a compreensão e consciência de que é possível uma alternativa progressista e de esquerda à alternância entre PS e PSD na realização de uma política no essencial semelhante, e que será o reforço da influência eleitoral do PCP (e uma diferente correlação de forças entre o PCP e o PS) que melhor inviabilizará tanto uma reabilitação eleitoral da direita como a continuação da actual política do PS, e que mais favorecerá uma verdadeira alternativa democrática e uma nova política.

3. É neste quadro e circunstâncias que as eleições legislativas e europeias, previstas para o próximo ano, tendem a exercer uma influência cada vez mais determinante na vida nacional. Marcam a fase de intensificação da vida política e social em que o País já entrou. Podem comportar especiais dificuldades ligadas ao avanço de linhas de descaracterização do regime democrático constitucional que o PS e o PSD estão procurando impor. Apresentam acrescidas exigências e renovadas possibilidades de intervenção aos comunistas e a todos os restantes sectores e sensibilidades de esquerda. E, associadas à luta popular de massas, recolocam, não só a necessidade mas a possibilidade e a importância da criação de condições para uma inflexão, no sentido da esquerda, do rumo político nacional.

O Comité Central reafirma que o PCP está fortemente empenhado em fortalecer, ampliar e enriquecer a sua intervenção, enquanto partido dotado de um projecto político transformador e portador de uma contribuição essencial para uma alternativa de esquerda, mas, ao mesmo tempo recusa deixar-se aprisionar e dissolver numa «vida política» crescentemente marcada pelo espalhafato, pela superficialidade, pelo artificialismo e pelo efémero, antes sustentando que a sua escolha é, de há muito, a da intervenção e acção políticas, próximas dos problemas e preocupações dos cidadãos, mobilizadora das suas iniciativas e lutas, agregadora das aspirações a nova política.

Particulares responsabilidades e exigências se colocam, por isso, aos comunistas e ao seu Partido, nas diversas frentes de intervenção e de luta.

Sem prejuízo da ulterior fixação de orientações especificamente destinadas à participação nos actos eleitorais do próximo ano, o Comité Central aponta, desde já, sem prejuízo de outros temas, o necessário aprofundamento e desenvolvimento de cinco grandes linhas para a sua intervenção política:

1ª - Contribuir para a afirmação de uma esquerda e de um projecto que suporte a perspectiva, a possibilidade e a luta pela concretização de um novo rumo democrático para Portugal. Esta contribuição, no quadro da intensificação da luta social e de uma forte afirmação do PCP, através da sua voz e das suas propostas, envolve igualmente uma forte disponibilidade de abertura e de empenho do PCP, para participar num alargado e genuíno processo de diálogo e de debate, à esquerda, susceptível de estabelecer pontes e de construir convergências que contribuam para viabilizar um projecto de poder. Um processo respeitador da pluralidade das expressões e das diferenças, que reuna individualidades, sectores e sensibilidades políticas que se situam criticamente em relação às orientações neoliberais, mobilizador e envolvente de movimentos e forças sociais e culturais diversas, com particular atenção para a participação da juventude e das mulheres. E permanentemente aberto à participação directa dos cidadãos.

2ª - Prosseguir a afirmação do PCP como oposição de esquerda, combativa, consequente e responsável. A contraposição de propostas de política alternativa, de esquerda, às orientações de inspiração neoliberal adoptadas pelo Governo, constitui por isso um contributo essencial do PCP - que importa potenciar ainda mais - para todo o debate político e das ideias. Fundamental para a abertura de alternativas políticas reais, que sustentem os interesses dos trabalhadores e de sectores sociais muito amplos, e que promovam os interesses nacionais, no actual quadro comunitário e global em que necessitam de ser activamente afirmados. Neste contexto, o PCP continuará a confrontar e desafiar o PS relativamente a importantes promessas não cumpridas, constantes do «Contrato de Legislatura» e do «Programa Eleitoral».

3ª - Defender activamente uma política de desenvolvimento e de emprego, com direitos, com uma justa repartição do rendimento nacional e a defesa e preservação do ambiente. Uma política que defenda e valorize a produção nacional e estimule a dinamização do mercado interno. O PCP empenhar-se-á em lutar pela melhoria dos salários, reformas e outras prestações sociais, pelas 40 horas e combaterá os privilégios à finança e às actividades especulativas, e defenderá uma nova política fiscal, prosseguirá o seu combate ao crescente domínio do poder económico sobre o poder político e à privatização de empresas e serviços públicos, e intensificará a luta por um sector público forte e renovado e por serviços públicos de qualidade.

4ª - Sustentar a realização de reformas democráticas nas áreas da educação, saúde e segurança social, combatendo a desresponsabilização do Estado nestas áreas e o crescente negocismo privatizador e lutando pela melhoria de funções públicas e de prestações sociais essenciais para o nível e qualidade de vida e o futuro dos portugueses.

5ª - Lutar por um novo rumo para a construção europeia, por uma Europa de paz, cooperação e «coesão económica e social», por uma Europa de nações soberanas e iguais. O PCP juntará os seus esforços em convergência com outros partidos comunistas, forças de esquerda e progressistas a nível da União Europeia, na luta pelo emprego, pela redução do horário de trabalho, pelo nivelamento por cima das conquistas sociais e na luta contra o tráfico de droga e da toxicodependência.
III

Uma confiante intervenção política e de massas
junto dos trabalhadores e das populações
1. Na sequência dos resultados das eleições autárquicas, foi desencadeada uma intensa e articulada ofensiva que, no plano político e ideológico, tem procurado deturpar, caricaturar e denegrir aspectos essenciais da orientação da intervenção e do posicionamento político do PCP.

Essa ofensiva tem procurado, nomeadamente, apresentar o PCP como um partido que faria do PS o seu «inimigo principal» e adoptaria, perante o partido do Governo, uma atitude de intransigência e de recusa ao diálogo, que praticaria uma oposição cega e sistemática em relação à política do Governo e que, supostamente desprovido de um projecto e de propostas construtivas, estaria meramente acantonado na defesa de interesses sociais muito limitados.

O Comité Central salienta que tais acusações são frontalmente desmentidas pela orientação e acção do PCP, destinam-se a promover uma flagrante inversão de responsabilidades que proteja e absolva o PS, e representam novas expressões da fracassada ambição de arrastar o PCP para a cumplicidade com uma política cujas opções e eixos fundamentais sempre combateu.

O Comité Central considera oportuno recordar que os sucessivos entendimentos com a direita (ora com o PP, ora com o PSD, ora com ambos), que têm viabilizado as opções políticas fundamentais do Governo PS, longe de resultarem de qualquer estado de necessidade face a uma pretensa intransigência ou rigidez do PCP, antes resultam de uma escolha estratégica há muito feita pela direcção do PS, em estrita correspondência com o real conteúdo da sua política.

O Comité Central considera oportuno recordar que, sem prejuízo de uma firme demarcação face à política global do PS (essencial não apenas do ponto de vista do respeito pelos compromissos eleitorais do PCP, mas também para frustrar uma provável manobra da direita no sentido de vir a responsabilizar «a esquerda» e, portanto, também o PCP, pelo fracasso do Governo PS), o PCP nunca hesitou em se associar e concorrer, muitas vezes com os votos dos seus deputados, para a aprovação de medidas pontualmente positivas propostas pelo Governo ou pelo Grupo Parlamentar do PS, como foi o caso recente do Projecto de Lei sobre a IVG.

O Comité Central considera oportuno recordar que, como foi sublinhado no XV Congresso do PCP, e é sublinhado pelos factos, o que melhor define a atitude do PCP na sociedade portuguesa é, aos mais variados níveis de intervenção, o seu profundo empenho construtivo na solução dos problemas do povo e do País, a incomparável generosidade e dedicação que coloca ao serviço dos interesses populares, o seu rico património de luta e reflexão sobre as grandes questões e problemas da sociedade portuguesa, a constante contribuição dos seus militantes para o fortalecimento das organizações sociais, a obra valiosa que há vinte e dois anos realiza no poder local, a sua qualificada intervenção no Parlamento Europeu e na Assembleia da República, bastando lembrar a este respeito que, em sucessivas legislaturas, é quase sempre o PCP quem, com um relativamente diminuto número de deputados, apresenta um maior número de iniciativas legislativas, visando dar resposta a sentidos anseios e preocupações dos portugueses.

2. A construção de uma alternativa é reconhecidamente um processo exigente e complexo. Exigirá uma sensível alteração da actual correlação de forças sociais e políticas.

No abrir de caminhos para a alternativa continuam a pesar como factores incontornáveis, a força e amplitude dos movimentos e lutas sociais e o acerto e intensidade da intervenção política do PCP, na resposta aos problemas actuais da sociedade portuguesa, à política do Governo, aos posicionamentos dos restantes partidos.
É nesse sentido que o Comité Central apela à intensificação dos movimentos e lutas dos trabalhadores e das massas populares, em torno de problemas que quotidianamente os afectam, na exigência de uma nova política, como factor determinante para resistir à política de direita, alcançar a satisfação das reivindicações e abrir caminho a uma alternativa. O movimento sindical unitário, as comissões de trabalhadores, as associações de agricultores, de intelectuais, de estudantes, as colectividades e outras estruturas associativas e organizações sociais desempenham, neste processo, um papel fundamental.

Simultaneamente, o Comité Central considera da maior importância proceder a um aprofundado exame da situação social, da intervenção nas presentes circunstâncias dos diversos movimentos sociais e dos problemas das organizações que os suportam, das perspectivas que se abrem ao desenvolvimento das lutas de massas, e das orientações e da actividade dos comunistas que intervêm nesta esfera. Em conformidade, decide dedicar uma futura reunião a esses objectivos.

3. No contexto da actual situação política, e representando tarefas políticas de grande importância no ano em curso, o Comité Central destaca a necessidade da intensificação da luta por objectivos concretos e imediatos, e contra decisões e projectos particularmente gravosos anunciados pelo Governo.

Assim, é essencial o desenvolvimento da luta dos trabalhadores por aumentos salariais dignos, pelas 40 horas, em defesa da contratação colectiva, contra os despedimentos e a precarização das relações laborais, contra perigosas alterações da legislação de trabalho; dos estudantes e de docentes, contra a lei do financiamento do ensino superior público; dos professores, pais e estudantes, contra a imposição de uma lógica empresarial que põe em risco as escolas públicas do ensino básico e secundário e em defesa da sua direcção e gestão democráticas; das mulheres, contra discriminações e pela concretização da igualdade em todas as esferas da vida; dos reformados, pela melhoria das pensões, nomeadamente pela elevação significativa das mais degradadas; das populações, pela exigência de medidas efectivas de combate à toxicodependência, ao tráfico de droga e ao branqueamento de capitais; e sublinha a urgência de se ampliar a oposição popular às privatizações, designadamente de empresas prestadoras de serviços públicos essenciais, e aos escandalosos aumentos de preços que estão a induzir.

A curtíssimo prazo, será necessário travar uma árdua batalha contra os projectos do PS e do PSD de alterarem, em sentido antidemocrático, a legislação eleitoral, designadamente a respeitante às eleições legislativas, de modo a imporem a criação de círculos uninominais, cujo único real objectivo é o de pressionarem os eleitores no sentido da concentração de votos apenas no PS e no PSD, procurando diminuir a votação e a representação parlamentar do PCP.
O Comité Central, sublinhando a vantagem em que, vencendo as manobras dilatórias do PS, fique finalmente aprovada e entre em vigor a lei da criação das Regiões Administrativas no continente, considera, entretanto, indispensável que se alargue a consciência de que é por exclusiva responsabilidade do PS que, com alta probabilidade, poderá estar comprometida a concretização desta importante reforma democrática na presente legislatura. Com efeito, primeiro ao ligar a regionalização ao processo de revisão constitucional, depois ao ceder ao PSD na exigência de um referendo sobre uma reforma que está há 22 anos consagrada na Constituição, de seguida ao fazer depender o referendo da actualização dos cadernos eleitorais, por via da absurda e ilegítima exigência de participação de 50% dos eleitores no referendo sobre a regionalização - todos os comportamentos e atitudes essenciais do PS têm sido no sentido de complicar e inviabilizar, na prática, o processo de criação das regiões administrativas. É, assim, inteiramente legítimo reafirmar a prevenção há muito feita pelo PCP de que o núcleo mais responsável da direcção do PS há muito tempo que desistiu desta reforma, e de que, nesta matéria, todos os esforços do PS estão concentrados apenas em encontrar um bode expiatório, ou em responsabilizar outros, pelo incumprimento desta sua destacada promessa eleitoral.

Em matéria de integração europeia, o Comité Central declara ser completamente inaceitável pelo nosso País o conteúdo da chamada Agenda 2000, que visa estabelecer o enquadramento político-financeiro do alargamento aos países do Leste da Europa. Pelos limites ao crescimento da despesa comunitária que estabelece, pela proposta de reforma dos fundos estruturais que contém, incluindo a exclusão da Região de Lisboa e Vale do Tejo do objectivo 1, e pelas reformas da Política Agrícola Comum (PAC) e da Política Comum das Pescas que propõe, a Agenda 2000 significará, segundo estudos de insuspeitas instituições, que Portugal será, com o alargamento, o mais prejudicado dos actuais membros da União Europeia.

O Comité Central chama a atenção para que, quanto à adesão de Portugal à moeda única, toda a estratégia do Governo se baseia na sua apresentação como um facto consumado, ideia que as anunciadas campanhas de propaganda, em preparação a nível nacional e comunitário, procurarão consolidar ainda mais fortemente, como forma de impedir o debate alargado das suas reais consequências e travar o avanço das reservas e da oposição que um tal passo já hoje suscita em largos sectores da opinião pública nacional.

É, entretanto, indispensável ampliar a denúncia e o desmascaramento do «referendo-fraude» que o PS e PSD anunciam sobre «matéria europeia» (ao proporem uma pergunta destituída de qualquer eficácia e desonestamente redigida para obter um «sim» esmagador), e prosseguir a exigência de um referendo em que o povo português se possa pronunciar sobre as questões mais relevantes que, de facto, estão em causa - designadamente a participação de Portugal na moeda única e a sua sujeição ao Pacto de Estabilidade.

O PCP considera, entretanto, completamente inaceitável qualquer ideia de realização de dois referendos na mesma data (designadamente sobre regionalização e matéria europeia), como pretendem o PS e o PSD - numa demonstração clara de que não estão interessados em garantir condições de clareza e seriedade ao exercício da soberania popular.

Como tarefa política especialmente urgente, o Comité Central salienta a importância de, com confiança, se desenvolver um vasto movimento de opinião democrática, no sentido de exigir a votação final da lei aprovada pela Assembleia da República em 4 de Fevereiro, despenalizando a interrupção voluntária da gravidez em certas condições, e denunciar a vergonhosa combinação feita entre a direcção do PS e o PSD para a realização de um futuro referendo sobre este tema, combinação cujo único resultado prático imediato seria o de paralisar a aprovação final da lei, defraudando as expectativas legitimamente criadas de um avanço positivo na solução de um grave problema que afecta as mulheres portuguesas, e desprestigiando, de forma ostensiva, a própria Assembleia da República.

Finalmente, condenando o seguidismo do Governo face aos EUA, o PCP prosseguirá a luta contra oenvolvimento de Portugal na escalada agressiva contra o Iraque, apelando ao desenvolvimento de um diversificado movimento de oposição e protesto.

4. O Comité Central procedeu a uma primeira abordagem das linhas gerais do plano de trabalho e calendário de iniciativas do Partido em 1998, as quais perspectivam uma intensa e diversificada intervenção do PCP.

Desse conjunto, o Comité Central chama a atenção, pela sua importância, para as múltiplas iniciativas de comemoração do 77º aniversário do Partido (com destaque para o comício a realizar no Pavilhão dos Desportos, em Lisboa, a 7 de Março), para as iniciativas sobre o significado dos 150 anos do Manifesto Comunista e para a já anunciada realização da Festa do «Avante!», a 4, 5 e 6 de Setembro.

O Comité Central sublinha a especial importância de as comemorações do 25 de Abril e do 1º de Maioconstituírem uma forte afirmação dos ideais e valores progressistas e da luta pelos interesses e direitos dos trabalhadores e do povo português.
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* *
No ano em que se completam 150 anos sobre a publicação do Manifesto do Partido Comunista - documento marcante de uma nova perspectiva revolucionária de transformação social e de libertação humana e impulsionador de um grande movimento de ideias, de combates e de lutas da classe operária, dos trabalhadores e dos partidos comunistas que mudou o rumo da história da humanidade - o PCP, convicto da força, da grandeza e da vitalidade dos seus valores e ideais, aberto para a vida e para o futuro, empenhado em afirmar, enriquecer e projectar a sua identidade e o seu projecto de democracia e socialismo para Portugal, tudo fará para continuar a honrar, e cumprir ainda melhor, as suas responsabilidades nacionais e internacionalistas de grande força da liberdade, da democracia e do progresso social, aos serviço dos trabalhadores, do povo e do País.


quarta-feira, 1 de março de 2006

Nos 30 anos de uma 

Constituição com futuro 

- artigo de Vitor Dias, 

na Revista «O Militante»

No próximo dia 2 de Abril completam-se trinta anos sobre a

aprovação e imediata promulgação da Constituição da República Portuguesa que representaram – e representam ainda hoje – um marco de extraordinário significado político e de grande alcance histórico no processo da revolução do 25 de Abril.

Com a conclusão dos trabalhos da Assembleia Constituinte eleita em 25 de Abril de 1975 e a aprovação de uma nova Constituição operou-se a passagem da situação democrática criada pelo levantamento militar e pela iniciativa e luta populares à instauração de um regime democrático escolhido pelo próprio povo, cumprindo-se assim um compromisso fundamental inscrito no Programa do Movimento das Forças Armadas e também – importa recordá-lo – um objectivo essencial do Programa do PCP aprovado em 1965 e confirmado nas adaptações conjunturais que foram introduzidas no VII Congresso Extraordinário do PCP realizado em Outubro de 1974.

Ocorrendo apenas quatro meses após os acontecimentos do 25 de Novembro de 1975, a aprovação da Constituição
representou também um inestimável factor de estabilização da situação política e da vida democrática do país, assim contrariando as forças e interesses que acalentavam o desejo de levar mais longe uma dinâmica revanchista e a esperança de que umasubstituição do General Costa Gomes na Presidênciada República permitisse fazer retroceder e anular o curso progressista imprimido ao processo de elaboração da Constituição.

Mas a principal grandeza e importância da Constituição aprovada há 30 anos está no facto, carregado de significado e consequências, de com ela o país ter ficado dotado de uma Lei Fundamental que, embora com base num compromisso multipartidário, incorporou e consagrou, de forma clara e indiscutível, a ruptura revolucionária com a ditadura fascista e o vasto e rico património de valores,objectivos,transformações,conquistas e mudanças trazidas à e asociedade portuguesa pela revolução . Comrojmarcanteinda mais evident eaodiidem Constituiçãoocrática seá he,ststntiva natureza e este  conteúdo da  de 1976 não tiveram origem nem na mera relação de forças naAssembleia Constituinte nem no exclusivo mérito dos deputados constituintes. Antes só podem ser explicados pelos avanços e conquistas obtidos,   vezes antes da sua consagração legal, nos anos de 1974 e 1975 através da luta dos trabalhadores e de outras camadas e grupos sociais e da aliança Povo-MFA, bem como pela existência à época de um muito profundo enraizamento social dos ideais e valores da revolução de Abril que condicionou em grande medida diversas forças políticas obrigando-as a dissimular transitoriamente muitos dos seus reais objectivos e propósitos.

E é também por isso que se pode dizer, com inteiro rigor
e cristalina verdade, que a Constituição da República aprovada em 1976 constitui ela própria uma fulcral conquista do 25 de Abril e representa, na história nacional, um indelével momento de pujante afirmação das melhores esperanças e aspirações e mais generosos sonhos do povo português.

Sete-revisões-sete

Ao longo dos últimos 30 anos, com maior ou menor intensidade, e exactamente por ser «filha da revolução de Abril» e não por estar em «oposição à revolução» como várias forças políticas sustentaram, a Constituição da
República não foi apenas motivo de luta política ou de debate ideológico mas também e sobretudo um alvo privilegiado da ofensiva das forças de direita e do grande
capital, quase sempre com uma significativa cumplicidade do PS.

Se outros elementos não existissem, bastaria referir o facto de, desde a sua aprovação, a Constituição de 1976 já ter sido sujeita a sete processos de revisão (o que coloca certamente Portugal, a nível europeu e mundial, como um dos países onde mais repetidamente se altera a Lei Fundamental) para se perceber que não terminou em 1976 nemestá ainda  entre as forças e interesses que não se reconhecem nosvalores, na substância concreta e na arquitectura constitucional  originada na revolução democráticae as forças, como o PCP, que são fiéis àquele património e nele vêem um importante instrumento e uma decisiva referência para a construção de umfuturo diferente e melhor.

Na verdade, as sucessivas revisões da Constituição
não são explicáveis por qualquer obsessão perfeccionista ou volúpia actualizadora mas pelo propósito comum à direita e ao PS de, passo a passo, ir mutilando o texto original da Constituição, retirando protecção constitucional a algumas importantes conquistas de Abril,reabilitando retroactivamente as políticas que, em aberta divergência com a Constituição, realizaram e realizam nos governos, abrindo as portas para mais graves avanços«da política de direita.

Na
verdade, o que verdadeiramente marca as sucessivas revisões da
Constituição (umas ordinárias, outras
extraordinárias) não são melhoramentos pontuais
positivos (que é sempre possível fazer e para os quais
o PCP, uma vez desencadeados os processos de revisão, muitas
vezes qualificadamente contribuiu) mas sim importantes alterações
de fundo em consonância com os interesses e objectivos da
política de direita. Assim, é o caso da revisão
de 1982 que procedeu à reconfiguração dos órgãos
de poder ditada pelo propósito do PS, do PSD e do CDS de
extinguir o Conselho da Revolução e a intervenção
institucionalizada do MFA na vida política. É o caso da
revisão de 1989 cujo objectivo fundamental foi o de eliminar a
protecção constitucional da Reforma Agrária e
das nacionalizações (abrindo caminho para o nefasto
processo de privatizações que o país tem
conhecido e sofrido). É o caso da revisão de 1992 que
visou proteger e autorizar as graves mutilações da
soberania nacional induzidas pela vinculação ao Tratado
de Maastricht. É o caso da revisão de 1997 que saldou
pela consagração da exigência de um referendo
obrigatório sobre a institucionalização das
regiões administrativas (que entretanto continuam inscritas na
Constituição como uma realidade integrante do poder
local) e pela perversa abertura dada a negativas alterações
nas leis eleitorais, quer para as autarquias locais quer para a
Assembleia da República. É o caso da revisão de
2001 destinada a permitir a adesão ao Tribunal Penal
Internacional e a autorizar as buscas policiais nocturnas. É o
caso da revisão de 2004 que, com o proselitismo próprio
dos subservientes, cuidou de submeter antecipadamente a nossa
Constituição a uma «Constituição
europeia» que se não está morta está mal
enterrada. E, por fim, apesar de tudo o menos grave, e o caso da
revisão de 2005 em que, após piruetas e trapalhadas sem
fim a propósito do regime do referendo sobre temas europeus,
PS e PSD acabaram por consagrar uma solução dúbia
e insatisfatória, recusando pela quarta vez a proposta do PCP
de consagrar plenamente a possibilidade de referendos sobre tratados
nesse âmbito.

Falsidades,
argumentos de conveniência e outros truques

A
campanha política e ideológica que há trinta
anos é movida contra a Constituição não
se deteve nem amainou significativamente com a frenética
sucessão de revisões e tem-se servido invariavelmente
de um vasto conjunto de falsidades, argumentos de pura conveniência
e outros truques.

Nesse
turvo conjunto, por vezes nem há qualquer coerência dado
que as forças de direita (e também o PS) acusam o PCP
de, em 1975-76, ser contrário à elaboração
e entrada em vigor da Constituição mas, ao mesmo tempo,
são elas que mais atacam o conteúdo da Lei Fundamental
do país enquanto o PCP é o seu mais firme defensor.

Em
termos históricos, esta acusação feita ao PCP
serve-se sobretudo daquela que é, sem dúvida, a maior
falsificação política posta a circular depois do
25 de Abril de 1974 e à qual bem se pode aplicar a máxima
de Goebbels de que uma mentira mil vezes repetida acaba por se tornar
verdade.

Referimo-nos
concretamente ao que quase toda a gente tranquilamente chama de
«cerco da Constituinte» – expressão que,
combinada com o sistemático recurso às imagens
televisivas da concentração de trabalhadores da
construção civil em frente ao Palácio de S.
Bento em 12 e 13 de Novembro de 1975, pretende atestar ou certificar
que, de facto, terá havido um grave conflito e antagonismo
entre, de um lado, o movimento popular, os trabalhadores e o PCP e,
do outro, a elaboração da Constituição em
que PS, PSD e CDS supostamente estariam firmemente empenhados.

Nem
os anos que passaram, nem o pessimismo pessoal sobre as hipóteses de se ganhar esta batalha de esclarecimento e rectificação, nem o facto de esta monumental falsificação já
ter assumido ares de «verdade oficial», designadamente
com a sua lamentável inclusão numa edição de luxo da Assembleia da República em que se descreve história do Parlamento português, nos podem ou devem levar a desistir de combater este deliberado atropelo à verdade e grave entorse à história.

Dirigentes e responsáveis do PS, do PSD e do CDS, e legiões de jornalistas e comentadores já repetiram milhares de vezes a expressão «cerco da Constituinte».

Mas é exactamente no que sempre omitiram e omitem e no que não contaram e não contam que está a verdade dos factos e a  verdade do que realmente aconteceu.

Porque todos sempre omitem que a manifestação-concentração dos trabalhadores da construção civil só se
realizou em frente ao Palácio de S. Bento porque o Ministro do Trabalho, desrespeitando compromissos assumidos, encerrou à última hora as instalações do Ministério
na Praça de Londres.

Porque todos sempre omitem que não foi a Assembleia Constituinte que foi «cercada» mas sim o Palácio de S. Bento onde aquela funcionava mas onde funcionava também o VI Governo Provisório e o Primeiro-Ministro Pinheiro de Azevedo, as únicas entidades a quem os trabalhadores dirigiram as suas reivindicações sócio-laborais.

Porque todos sempre omitem que, sendo verdade que, num quadro de grande exasperação e radicalismo, os deputados à

Constituinte, erradamente, também foram impedidos de sair, a maior e mais decisiva verdade é que aquela imensa concentração de trabalhadores não apresentou quaisquer reivindicações à Assembleia Constituinte nem formulou quaisquer exigências relativamente à elaboração da Constituição.

Porque todos sempre omitem que por mais que se dessem ao trabalho ampliar as fotografias e as imagens televisivas dessa concentração, jamais encontrariam nas respectivas faixas e palavras de ordem qualquer referência à Assembleia Constituinte e à elaboração da Constituição.

De um outro ângulo, merecem também referência as constantes linhas de ataque à Constituição seja com pretexto na sua extensão (296 artigos), seja em desacordo

com as suas fortes componentes programáticas, tudo convenientemente embrulhado em sofismas como a da «neutralização ideológica» da Constituição e da vantagem
de, para o «Estado mínimo» que alguns desejam, haver também uma «Constituição mínima».

E é assim que, ano após ano se vai fazendo toda uma
intensa doutrinação sem que os doutrinadores alguma vez
tenham respondido à sensata objecção de que uma
«Constituição mínima» significaria necessariamente criar uma maior latitude e margem de arbítrio para os órgãos de soberania, alguma vez tenham sacudido a crítica de que eliminar o carácter ideológico e programático de certas normas da Constituição é viabilizar e consagrar outra ideologia e outro programa, alguma vez tenham explicado porque é que os incomoda tanto a extensão da Constituição portuguesa e não os incomodou nada a extensão da «Constituição europeia» que continha 456 artigos, fora os anexos, e que fervorosamente apoiaram.

Defesa~da Constituição –

 uma luta que tem de continuar

Pode haver democratas que hoje tendam a desvalorizar a luta em defesa da Constituição e pelo seu respeito e cumprimento devido à evidência de que  facto de termos tido – e ainda hoje assim ser – uma das Constituições mais avançadas e progressistas do mundo não poupou o povo e o país – e, em boa verdade, não estava ao seu alcance garanti-lo – aos continuados efeitos da política de direita praticada porsucessivos governos com todo o seu cortejo de desilusões, injustiças, malfeitorias e retrocessos.

Mas,
a este respeito, é necessário lembrar duas coisas
essenciais: a primeira é que é impossível fazer
a demonstração de que, sem ela, as coisas teriam
corrido melhor, sendo avisado admitir que a ofensiva antidemocrática
e a política contrária aos valores e objectivos
constitucionais teriam chegado ainda mais longe e mais fundo sem esta
Constituição; a segunda é que por alguma razão
os sectores políticos que são porta-vozes e
representantes do grande capital e do neoliberalismo continuam a
ambicionar proceder a uma grande e drástica «limpeza»
na Constituição.

E
não é prudente nem vantajoso ignorar que a eleição
de Cavaco Silva para Presidente da República introduz, ao
menos de forma reflexa, no quadro político nacional alterações
que, entre outros eixos de pressão para o agravamento da
política de direita, não deixarão de favorecer
maiores pressões para futuras revisões constitucionais
que desfigurem ainda mais, em múltiplas vertentes, o regime
democrático consagrado na Constituição.

Escrevendo
isto não estamos obviamente a prever ou vaticinar que, em
Belém, Cavaco Silva vai desencadear iniciativas ou tomar
posições frontalmente inconstitucionais, estamos sim a
chamar a atenção para que a eleição de
Cavaco Silva é um inegável factor de estímulo
para as forças económicas e interesses de classe que
apoiaram a sua candidatura e que essas nunca fizeram as pazes com a
Constituição e, mais cedo do que tarde, trarão
para a cena política toda as opções ideológicas
e todos os projectos que Cavaco Silva zelosamente escondeu e
dissimulou durante a campanha eleitoral.

E
não é necessário ter tirado qualquer curso
superior de bruxaria para saber que, de há muito, o grande
capital e as forças de direita (e sectores que pesam no PS
dirigido por José Sócrates) consideram que a
Constituição é ainda um sério obstáculo
à concretização dos seus projectos em matéria
de direitos dos trabalhadores, de privatização de
serviços públicos e de desmantelamento dos sistemas
públicos de saúde, segurança social e ensino e
talvez mesmo de reconfiguração do sistema político
e dos poderes dos órgãos de soberania.

O
PCP e os comunistas portugueses, que têm legítimo
orgulho na contribuição que deram para a elaboração
da Constituição aprovada em 1976 e para a fundação
do regime democrático, continuarão a inscrever na sua
agenda de luta e nos seus compromissos com o povo português a
defesa activa da Constituição da República,
texto que continua a ser mil vezes mais moderno do que o discurso e
as orientações dominantes na vida política
nacional e que, por isso mesmo, tem futuro e é essencial para
a construção de um Portugal com futuro.